Rio Paraguai reduz para um dos menores níveis dos últimos 6 anos
setembro 27, 20217:58 amPouco a pouco, neste 2021, a lâmina d’água do Rio Paraguai está sendo reduzida e revelando situações inéditas para muitas pessoas em Corumbá. Sem a necessidade de medição oficial, a percepção de que há muito menos água no rio agora do que um ano atrás ou até há dois anos é notada a partir do Porto Geral.
Já é possível caminhar por uma área vasta na região da ponte de captação. As pilastras do local estão sendo reveladas. Essa área, tradicionalmente até 2019, era ocupada por brejo e água. Agora, é possível caminhar e a pé passar por debaixo da ponte.
O nível mais baixo de água tem também revelado algumas situações que talvez antes ficavam imperceptíveis. Corumbá está localizada bem ao lado do Rio Paraguai e dentro do Pantanal. A zona urbana confunde-se com a natureza e a zona rural, principalmente na região do Porto Geral. E como a água que preenchia um espaço por essas bandas não está mais lá, hoje em dia dá para avistar sinais de diferentes animais. As patas que ficam na área antes alagada aparentam ser de onça, anta, capivara, tudo bem a poucos metros da cidade.
Os jacarés também são mais fáceis de serem avistados no Porto Geral e na Praia Vermelha. Tristemente, alguns desses animais aparecem mortos, com sinais de que foram vítimas de ação humana. Como é o caso de um jacaré adulto que estava com marca de tiro na cabeça e fora deixado morto no Porto Geral entre os dias 20 e 21 de setembro.
De forma oficial e conforme dados históricos da Marinha do Brasil, o nível do Rio Paraguai em 2021 é um dos mais baixos dos últimos seis anos. A média agora do nível está em 1,46 m. Ano passado, foi de 1,30 m. Em 2019, ela foi de 2,56 m. Pela medição diária, o nível negativo na régua de Ladário já foi atingido e em 25 de setembro estava em -0,28 m, aproximando-se do menor nível registrado em 2020, que foi de -0,32 m.
Essa condição de volume de água tem impacto direto na rotina da cidade. Primeiro porque a economia fica atingida e a navegabilidade é prejudicada. Desde junho já existe dificuldade de operação. O canal do Tamengo é muito utilizado para idas e vindas de carga, principalmente o diesel, rumo a Bolívia e está impedido de ser navegado. Agora, só via terrestre é utilizada para as mercadorias chegarem. Enquanto isso, o escoamento do minério pela Vale e Vetorial, cerca de 3 milhões de toneladas de extração, também já deixou de ser feito pela hidrovia.
“A navegabilidade está crítica. Considerando que o nível de alerta para a navegação é de 1,5 metros na régua de medição de Ladário, boa parte do transporte de minério está sendo feita pela BR-262”, aponta o pesquisador do Pantanal na Embrapa, Carlos Padovani. “Cabe ao comandante da embarcação, fundamentando-se no valor do seu calado, nas réguas do rio, nos avisos aos navegantes e nas cartas atualizadas, analisar se pode realizar a navegação com segurança ou não. Ano passado, os comboios não navegaram porque não era economicamente viável para as empresas”, complementa a Marinha do Brasil, a partir de nota do 6º Comando do Distrito Naval de Ladário.
De forma mais próxima do cidadão comum, a redução de volume de água do Rio Paraguai repercute na água da torneira da casa dele. A captação da cidade é feita toda do rio pela Sanesul. A produção média da estação de tratamento de Corumbá é de 1.300.000 metros cúbicos por mês. No mês de agosto, foram produzidos 1.269.732 de metros cúbicos de água tratada. A estatal reconhece que existe preocupação.
Como a tendência é de maior redução do nível, atuações de emergência da Sanesul já estão previstas para ocorrerem. “Este nível de alerta originou o estabelecimento e preparação de ações de contingência e deslocamento de estruturas que estão à disposição para, em eventual necessidade. Até o momento, há um comportamento semelhante ao do ano passado, quando o nível crítico do Rio Paraguai foi atingido no final de outubro/2020”, detalha a empresa, por meio de nota enviada ao Correio de Corumbá.
A Sanesul ainda confirma que estudos projetam retorno das chuvas até a segunda quinzena de outubro. Se isso ocorrer, o plano de contingência pode não ser necessário ser acionado.
Além da redução de cerca de 40% no volume de chuva neste ano, de acordo com dados da UFMS, há um calor extenuante que está evaporando ainda mais a água do rio. Com termômetros marcando mais de 40º C, a evaporação da água na bacia do Paraguai foi de 140ml por hora em cada metro quadrado. Em 10 horas, com isso, o Rio Paraguai perdeu 1,4 litro de água por metro quadrado. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluiu que na bacia do Rio Paraguai as chuvas foram abaixo dos níveis normais em 4 dos últimos 6 anos. O Cemaden apontou que a atual seca é a mais severa dos 22 anos de monitoramento do Índice Padronizado de Precipitação (SPI).
Corumbá no meio do Pantanal
A revelação gritante e visual da redução do volume do Rio Paraguai nas proximidades de Corumbá reforça a localização da cidade, que está no meio do Pantanal. Com isso, a dinâmica da vida selvagem vai confundindo-se com a rotina diária da vida na cidade.
Os animais, que fazem seu deslocamento por conta da mudança de paisagem com a seca, muitas vezes ficam mais próximos do ambiente urbano e nesse momento é necessário o respeito do ser humano.
“Acho importante ressaltar a localização de Corumbá, que está dentro do Pantanal. Já existe a ideia do conhecer para proteger e as pessoas precisam conhecer cada vez mais o nosso Pantanal e a nossa fauna para poder protegê-los, gostar deles e valorizá-los. Infelizmente, essa ainda não é a realidade de Corumbá”, reconhece o biólogo e gerente de educação ambiental e pesca da Fundação de Meio Ambiente do Pantanal, Gabriel Oliveira.
O especialista aponta que a posição do município diante da localização geográfica favorece o aparecimento de animais silvestres na zona urbana, independente da situação de seca ou cheia do Rio Paraguai. Porém, Gabriel Oliveira sugere que a estiagem mais longa desses dois últimos anos e também as queimadas que ocorrem de forma mais violenta contra a natureza estão despertando percepções nas pessoas que talvez antes eram menos latentes.
“O período de seca e as queimadas não têm ligação nenhuma com o fato de animais estarem aparecendo mais nas zonas urbanas. Isso sempre aconteceu e é um processo natural. O que está acontecendo hoje é que o olhar que não tinham antes para algumas situações está ocorrendo, até porque as pessoas estão mais preocupadas com a degradação do Pantanal”, detalha Gabriel Oliveira, que trabalhou no resgate da fauna do bioma e com pesquisa da Embrapa Pantanal ao longo de sete anos.
A orientação que ele repassa sobre o avistamento de animais silvestres na cidade é não tocar ou mesmo aproximar-se. O recomendado é ligar no 193, para os Bombeiros, ou mesmo para a Fundação de Meio Ambiente do Pantanal, que tem o Centro de Atendimento Emergencial de Animais Silvestres, no número (67) 3907-5342.
Fonte: Correio De Corumbá